Aviso
Caro leitor: Sempre é bom lembrar que, por se tratar de assunto ainda em discussão, as informações aqui descritas poderão sofrer alterações até que o BCB emane a regulamentação definitiva.
Também conhecidos como Vasps (do inglês virtual assets servisse providers), as Psavs (prestadoras de serviços de ativos virtuais) foram objeto recente de uma consulta pública do Banco Central do Brasil (BCB), a de número 109 de 7/2/2025, que trouxe proposta de Resolução para disciplinar a constituição e o funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais.
A Lei 14.478 de 2022 definiu a prestação de serviços de ativos virtuais e criou a regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais.
Posteriormente, o Decreto 11.563 de 2023 veio regulamentar a referida Lei para estabelecer como órgão regulador e supervisor desse mercado o BCB, com as seguintes atribuições:
- Regular a prestação de serviços de ativos virtuais;
- Regular, autorizar e supervisionar as prestadoras de serviços de ativos virtuais.
Em 14/12/23 o Banco Central do Brasil divulgou a consulta pública 97, que de maneira bastante positiva, objetivou coletar contribuições e informações para elaboração, concernentes aos ativos virtuais de que trata a referida Lei.
O que são ativos virtuais?
Para entender essa nova natureza de instituição regulada que está sendo proposta pelo BCB, é importante relembrarmos a definição de “ativos virtuais” (ou “ativos digitais”), e tão importante quanto isso, atentarmos para que tipos de ativos virtuais estão ficando de fora dessa proposta.
Um ativo virtual é uma representação digital de valor que pode ser negociada, transferida ou armazenada por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento. As transações são criptograficamente protegidas e feitas por meio de um sistema baseado em Distributed Ledger Technology – DLT (tecnologia de registro distribuídos), como é o blockchain.
Exemplos de ativos virtuais:
- Criptomoedas;
- Token digitais;
- NFTs (tokens não fungíveis);
- Moedas virtuais em plataformas;
- Ativos virtuais de metaverso.
Na mencionada legislação, assim como na regulamentação ora proposta, não foram incluídos:
- Moeda fiduciária digitalizada (Ex.: real digital, dólar digital);
- Moeda eletrônica, nos termos da Lei 12.865/13;
- Pontos de programas de fidelidade (Ex.: milhas aéreas);
- Ativos digitais que sejam representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros representam produtos regulados (ações, CDBs) sem negociação em blockchain.
Ou seja, de uma maneira resumida, o regramento das PSAVs não abarca NFTS, a tokenização no mercado financeiro e de capitais e a tokenização no mercado de ativos reais.
O que são as PSAVs?
Segundo a Lei 14.478/22, a PSAV é uma pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais, entendidos como:
- Troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou moeda estrangeira;
- Troca entre um ou mais ativos virtuais;
- Transferência de ativos virtuais;
- Custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais; ou
- Participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.
O BCB define que as PSAVs devam ser instituições autorizadas (previamente à entrada em operação), mas haverá prazo de transição para as que já estão em funcionamento. Elas foram divididas em três modalidades:
- Intermediárias de ativos virtuais (R$ 1 milhão);
- Custodiantes de ativos virtuais (R$ 2 milhões);
- Corretoras de ativos virtuais (R$ 3 milhões).
Entre parênteses acima está capital social integralizado e patrimônio líquido mínimo necessários para instrução do processo de autorização. No caso de intermediárias ou corretoras, se atuarem em operações de staking de ativos virtuais, realizadas por conta de seus clientes ou oferta de conta margem, deve-se adicionar R$ 2 milhões ao capital/PL.
É sempre bom lembrar que o capital mínimo requerido será tanto maior quanto forem os volumes e riscos da instituição (conceito de Basileia, que envolve o capital regulatório baseado em ativos ponderados pelo risco).
A PSAVs podem ser constituídas como S.A. ou Ltda e devem possuir ao menos três diretores, para prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, sistemas de controles internos da instituição e de conformidade (compliance), estrutura de gerenciamento de riscos, de capital e da política de divulgação de informações da instituição.
Intermediárias
Alguns dos serviços previstos são os seguintes:
- Intermediar distribuição de ativos virtuais;
- Subscrever, isoladamente ou em consórcio com outras sociedades autorizadas, emissões de ativos virtuais;
- Comprar, vender e trocar ativos virtuais, por conta própria e de terceiros;
- Administrar carteiras de ativos compostas por ativos virtuais, ou carteiras compostas por ativos virtuais, valores mobiliários, ativos financeiros e outros instrumentos financeiros admitidos na regulamentação específica;
- Ofertar contas de pagamento, na forma da regulamentação específica;
- Praticar operações de conta margem relacionadas a ativos virtuais;
- Praticar operações de prestação de serviços de ativos virtuais no mercado de câmbio.
Custodiantes
Alguns dos serviços previstos são os seguintes:
- Guarda e o controle do ativo virtual, em favor de seu cliente, bem como dos instrumentos que afetam o exercício da titularidade do ativo;
- Descrição, continuamente atualizada, da posição do ativo virtual, de cada tipo de ativo do titular, bem como a conciliação dessa posição com as informações pertinentes disponíveis nos sistemas de registro distribuído;
- Atendimento das instruções de movimentação emitidas pelo titular do ativo virtual ou da pessoa ao qual foi delegado o poder de agir no interesse do titular, bem como a conservação dessas instruções;
Corretoras
As corretoras de ativos virtuais, têm por objeto social executar a combinação das atividades desempenhadas pelas intermediárias de ativos virtuais e pelos custodiantes de ativos virtuais.
É interessante notar que o elenco dos serviços previstos para as intermediárias e custodiantes é semelhante ao que o BCB determina para a corretoras (SCTVMs) e distribuidoras (SDTVMs), no que se refere a ativos não virtuais, conforme a Res. CMN 5.008/22, mas com exigência para capital e PL bem menor (R$ 550 mil até R$ 1,5 milhão) para as últimas.
Separação patrimonial: Comparando as IPs com a Psavs
Um dos vários elementos de sucesso trazidos pela Lei 12.865/13, que regulou os meios de pagamento no Brasil (serviços de pagamento, moeda eletrônica etc.), foi a questão da separação patrimonial.
A referida Lei introduziu a separação patrimonial dos recursos das contas de pagamento. Esses recursos são distintos do patrimônio da instituição de pagamento (IP) e não podem ser usados para quitar suas dívidas. Além disso, não podem ser alvo de constrições judiciais, como arresto ou sequestro, e não entram no ativo da instituição em caso de falência ou liquidação. Também não podem ser dados como garantia de débitos da instituição.
Infelizmente, o mesmo mecanismo de “blindagem” acima descrito não foi previsto pela Lei 14.478 de 2022, após várias negociações no Congresso Nacional.
Coube então ao BCB, na regulamentação ora proposta, prever uma “solução de contorno”, que é obrigar as PSAVs a utilizar contas de pagamento individualizadas para o trânsito dos recursos dos clientes, sendo que no caso das intermediárias e corretoras, tal oferta é obrigatória.
Mas não foi apenas isso. O BCB também está prevendo uma série de medidas para proteção dos ativos virtuais dos clientes, segregando-os daqueles das PSAVs. As instituições deverão adotar política específica sobre o assunto, inclusive com a designação de um diretor responsável no BCB. Essa política deverá tratar, dentre outras coisas, de mecanismos e procedimentos para separação entre seus ativos e os ativos virtuais de clientes e da separação dos ativos virtuais dos clientes em carteiras distintas das utilizadas pela prestadora de serviços de ativos virtuais para as operações próprias;
O processo de elegibilidade dos ativos virtuais
A seleção de ativos virtuais ofertados pelas PSAVs deve ser realizada com base em critérios claros, justificados, transparentes e amplamente divulgados, em relação aos processos de listagem e de deslistagem desses ativos.
Deve-se estabelecer políticas específicas para a seleção, listagem e deslistagem dos seus ativos virtuais, baseadas em decisões a cargo de comitês técnicos estabelecidos para esta finalidade. As políticas devem abranger, dentre outros aspectos, a categorização dos ativos virtuais e. restrição de oferta de ativos virtuais características de fragilidade, insegurança ou riscos que favoreçam fraudes ou crimes (ex. LD FT).
Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo (PLDFT)
Este é um tópico relevante, que gostaria de destacar neste artigo, dentre todos esses outros, da dada a sensibilidade do assunto, ainda mais pelo histórico das criptomoedas em operações ilícitas.
Nesse quesito, é muito salutar que o BCB procures estabelecer um ambiente ao par com os das demais instituições autorizadas.
A PSAV deverá estabelecer um processo robusto de identificação e qualificação dos originadores e beneficiários das transações.
Deverá atender aos requisitos de KYC, KYP e KYS. Além disso, ela deverá adequar sistemas de controles internos e políticas de gestão de risco, manter registros da transações por ao menos 5 anos e identificar as operações suspeitas ou irregulares e relatá-las (BCB e Coaf).
Demais regulamentações relevantes para as PSAVs
Por se tratar de uma instituição autorizada, como não poderia deixar de ser, a proposta de regulamentação contida na consulta pública é bastante abrangente.
Como em relação às demais naturezas de instituições supervisionadas pelo BCB, existem o bônus e o ônus de ser uma instituição autorizada.
A proposta em curso determina processos, controles e governança para contratação de serviços essenciais, conduta de colaboradores, controles sobre fraudes, continuidade de negócios, guarda e proteção de chaves privadas, auditoria independente, avaliações internas de risco, desenvolvimento do corpo técnico, segurança cibernética, suitability etc.
A visão do BCB
Este tópico “Visão do BCB” foi produzido com excertos de excelente webinar transmitido por VBSO Advogados em 27/11/24. Sr. Nagel Paulino – Chefe de Divisão do Departamento de Normas BCB.
Segundo o BCB, essa Consulta Pública sobre as PSAVs deverá “conversar” com a CP 108/24, sobre o BaaS ( ver meu artigo sobre esse tema em https://www.thesharpfintech.com/explorando-o-mundo-do-baas-as-novidades-regulatorias-em-gestacao/), e deverá haver necessidade das duas normas se aproximarem, quando pensamos principalmente em “crypto as a service”.
O BCB se inspirou em normas internacionais, mas também aproveitou muito os inputs da CP 97/2023, que foi uma consulta pública, na forma de tomada pública de subsídios, com o objetivo de obter contribuições e informações para elaboração de regulamentos concernentes aos ativos virtuais.
Como demais instituições autorizadas, as PSAVs lidarão com as demais regulamentações sobre contabilidade, Pix, cobrança de tarifas, fraudes, estabilidade e funcionamento do SFN, gestão de riscos e capital, suitability, ouvidoria, controles internos, segurança cibernética, auditoria, acesso a CCS, dentre outras.
Parece uma carga regulatória grande mas uma entidade autorizada traz uma diferenciação, pois passa a obter uma condição distintiva, segurança jurídica e operacional mais substancial, quando reguladas.
O BCB tinha a intenção de avançar um pouco mais em relação aos tipos de operações, mas como passam por outros mercados, ainda precisam de mais diálogo, como por exemplo com a CVM. Trata-se de um segmento inovador e complexo e ainda em construção
Em relação à organização dos processos de autorização, assim como em outros casos, será adotado um faseamento respeitando inclusive a capacidade operacional do BCB de absorver os processos de autorização.