Este artigo trata de modelos matriciais, especialmente aplicados em bancos globais, e os desafios que os mesmos impõem à governança.
Um homem muito pobre recebeu uma noite a visita de um fantasma, que lhe disse que poderia se tornar imensamente rico se se apresentasse como um “escolhido dos céus” a seu miserável povo. Assim ele o fez. O fantasma então escolheu outras cem pessoas, a quem nomeou generais e as pôs a trabalhar para o enviado. A única condição do fantasma foi a que os generais só deveriam prestar contas e ele próprio, o fantasma. O escolhido ficou imensamente rico; os generais conquistaram várias tribos, cidades e regiões, trazendo-lhe grandes riquezas. O escolhido exultou e teve uma boa vida até que, um dia, um exército invasor das tribos oprimidas derrotou seus exércitos, matando os generais. O escolhido foi então levado a um tribunal, onde jurou que não comandava de fato seus exércitos, mas sim um fantasma, que ninguém, porém, podia ver ou ouvir. Ao final do julgamento, o escolhido foi condenado à morte, por seus crimes. O carrasco lhe proferiu a sentença, dizendo-lhe: “Ó grande escolhido, vós podereis determinar então pela primeira vez na vida algo; e que seja a forma que ireis morrer”. Fábula de autor desconhecido.
É muito comum em instituições financeiras globais que exista um arranjo de linhas de negócios, onde hajam os centros de competência regionais, que se reportam à casa-matriz. Tais arranjos não se restringem às áreas comerciais mas também são amplamente usados nas de suporte, como p. ex. em TI e Finanças.
Os executivos locais, de subsidiárias ou mesmo filiais de bancos estrangeiros, conhecem muito bem tais estruturas, periodicamente divulgadas pelos RHs, através dos organogramas, que trazem as linhas de reporte funcionais e hierárquicas (comumente se utiliza uma linha tracejada para identificar um reporte funcional e uma sólida para representar um reporte hierárquico).
A complexidade de se gerir negócios globais assim como a grande importância de haver um bom alinhamento estratégico, seja de linhas de negócios ou de suporte, fazem com que tais arranjos matriciais se tornem muito comuns em escalas globais. O acionista, em última instância, não quer perder o controle e o foco de seu negócio pelo mundo afora, o que o eventual excesso de autonomia a executivos locais poderia implicar.
Não obstante tal necessidade, o modelo matricial acaba gerando vários desafios no dia-a-dia organizacional, inclusive riscos não desprezíveis, como acompanhamos em casos devastadores de fraudes e erros operacionais em bancos globais bem conhecidos do público.
Tomemos um exemplo: Um banco que exerce atividades de risco no mercado monetário, de derivativos e de capitais. O responsável comercial (inclusive estatutariamente), obtém suas metas anuais do além-mar; o valor de seus ganhos variáveis é decidido em outro continente. Para tornar as coisas ainda um pouco mais complexas, imagine que tal negócio é dividido em “livros”, cada qual cuidando de um mercado específico (p.ex. livro do mercado monetário, livro de opções, livro de renda fixa, etc.). Há casos em que o chefe de um determinado livro não se reporta funcionalmente ao responsável comercial local mas ao chefe global do respectivo livro. O incentivo monetário é muito forte, como sabemos. Assim, a tendência do profissional é priorizar aspectos que impactem diretamente sua remuneração. Então, para se compreender mais claramente quem realmente “manda” em determinada área ou negócio, deve-se verificar quem paga o salário e o bônus do profissional (“follow the money“). Percebe-se o quão complexo pode ser o alinhamento de interesses dado o cenário descrito.
O Banco Central do Brasil, e outros órgãos de supervisão e controle, buscam um ambiente controlado, prudente e bem administrado no mercado financeiro. Não adianta um determinado banco querer explicar um evento adverso com eventuais idiossincrasias de um modelo matricial. Os responsáveis estatutários locais respondem pelos acontecimentos.
Pois bem, então como criar condições minimamente aceitáveis de controle e boa governança, onde o subordinado do subordinado do Presidente de fato não responde localmente a ninguém pelo seu negócio?
Apesar das dificuldades, há mecanismos de defesa possíveis de serem implementados, e que devem ser objeto de negociação com a casa-matriz e de grande atenção por parte das diretorias executivas (estatutárias) locais, ao se desenhar governanças matriciais.
Todo cuidado é pouco pois como se aprende na teoria, responsabilidade não se delega.