Por Luciano Fantin: Este artigo trata da empregabilidade dos profissionais menos jovens e de como eles podem contribuir muito positivamente para uma organização
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho, sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida
Maria, Maria – Milton Nascimento
A economia brasileira começa lentamente a dar sinais de alguma recuperação, se bem que alguns até contraditórios. Inflação em queda, a taxa básica de juros (Selic) sendo reduzida, aqui e ali indicadores de recuperação de consumo (com impulso, diga-se de passagem, de recursos liberados de contas inativas do FGTS), a indústria mostrando sinais de recuperação e, o setor agrícola, de onde constantemente vêm boas novas, também tem dado sua contribuição, com notícias de renovada safra recorde. Importantes e há tempo desejadas reformas, como a da previdência e trabalhista, estão sendo finalmente discutidas. No campo institucional, o Brasil assiste a eventos inéditos, de combate à corrupção e de um “passar o país a limpo”.
Enfim, por alguns ângulos, boas notícias, por outros, sinais ainda não tão contundentes que a economia está em plena recuperação, para além de eventos preocupantes que trazem ainda importantes dúvidas sobre o futuro.
Mas, por vezes, fica difícil nos concentrarmos em fundamentos econômicos, na situação política ou institucional, quando o que nos aflige é algo bem mais próximo, que nos toca mais na pele: estar sem emprego, ou sem atividade profissional. Digo isso baseado em centenas de entrevistas com profissionais, que venho realizando em nossa firma, desde 2013, para a identificação de consultores para nossos projetos.
Além da questão puramente financeira (que, num país de precária segurança social como o nosso, é muito preocupante), que aflige a quem está em busca de recolocação, há também a questão da baixa moral, que pode estar afetando muitos dos leitores, especialmente aqueles já não tão jovens.
Não é fácil acordar dia após dia, ver o mundo rodar à nossa volta, e não ter uma agenda produtiva, compromissos, desafios, trabalho, enfim, algo com que preencher o dia. Interessante o sentimento idiossincrático de ansiedade que nos acomete: tudo o que queríamos, quando estávamos trabalhando, eram alguns dias de folga para relaxar, colocar as coisas particulares em dia, dar mais tempo para a nossa família, etc. Agora que temos dias livres, a inquietude e a ansiedade não nos deixam usufruí-los como desejáramos.
Eu possuo formação técnica em finanças, e poderia aqui escrever sobre a questão puramente financeira acima mencionada, dando dicas, falando sobre orçamento familiar, explicando para os menos afeitos a esse mundo do mercado financeiro, sobre os produtos, riscos e aspectos tributários e os cuidados a serem tomados no momento em que o salário zerou. Mas, por mais paradoxal que seja, mesmo não tendo nenhuma formação em psicologia, desconhecendo profundamente os meandros da mente humana, escolhi escrever sobre a outra questão acima citada, a da baixa moral. Tentarei fazer isso compartilhando algumas experiências, especialmente pensando naqueles leitores deste texto, que se encontram desempregados, “in between jobs”, à procura de novos desafios, em período sabático forçado, enfim, aqueles que, por conta disso, encontram-se inquietos, não conseguem relaxar, acordam todos os dias e veem o mundo rodar, produzindo, mas se sentem alijados dessa dinâmica, como se não tivessem sido convidados para a festa. Esses leitores contam com minha completa empatia, até porque já passei por isso também.
A experiência que gostaria de compartilhar com vocês trata de pessoas com as quais tenho tido o privilégio e a sorte de trabalhar, em projetos, no mundo de consultoria. Desde 2013, com alguma interrupção, tenho me dedicado a atender o mundo financeiro, oferecendo consultoria por meio de equipes maduras; o diferencial de nossa firma é exatamente esse: alocar em nossos clientes times de profissionais que já possuem muita quilometragem rodada em suas respectivas áreas, como Controladoria, Risco, Câmbio, Projetos, Operações, RH, etc. e, de fato, agregar valor aos clientes, não apenas com a execução técnica mas, sobretudo, com a troca de experiências.
Uma consultora que trabalhou conosco, num determinado projeto, num banco médio, foi a Maria (nome fictício). A Maria já não é uma moça, tem os filhos criados, tem netos, teve uma vida profissional plena. Ela trabalhou a sua vida inteira em bancos e, como ocorre com tantas outras Marias, foi um dia desligada. Maria estava com muita dificuldade para se recolocar, pois todos nós sabemos que a chance de uma recolocação, no mercado financeiro, próximo dos 60 anos de idade, é muito baixa, ainda mais com a grande concentração bancária que estamos vivenciando e com poucos novos entrantes no mercado brasileiro, nos últimos anos.
Para nossa sorte, um dia identificamos a Maria para um de nossos projetos. Ela possuía as habilidades e competências que se encaixavam como uma luva para atender às necessidades do cliente, e ali foi Maria, complementando um time de consultores mais jovens, cuidar de um bom desafio.
A Maria se mostrou a consultora mais animada, a mais energética, a que mais conseguia encantar o cliente, com uma disposição de um estagiário em seu primeiro emprego. Com a Maria não havia tempo fechado, não havia prazo curto, não havia desafio técnico insuperável. O ambiente ficou muito leve e animado, com ela a bordo, pois sua experiência de vida trazia à equipe exatamente o que seus integrantes mais jovens não podiam oferecer: saber que, mesmo com dificuldades, chateações e desafios, a vida é curta demais para nos deixarmos acabrunhar, criarmos um ambiente pesado, deixar-nos levar pelo pessimismo. Ela sabia disso tudo, pois ela já vivenciara isso e aprendera, com sua experiência, que pior seria se estressar do que levar os desafios com tranquilidade, com alto astral.
E o que a Maria tem a ver com o leitor que passa agora por momentos difíceis, financeira e moralmente falando? Penso que a Maria somos todos nós, com o tempo, com a experiência. Penso que o valor que a Maria possui, que não é pouco, está dentro de cada um, esperando apenas uma oportunidade (que virá, e Maria sabia disso quando a chamamos para trabalhar no projeto conosco), apenas aguardando para ser utilizado.
Às vezes, penso eu, temos grande dificuldade em enxergar esse valor dentro de nós, pois a realidade do mercado de trabalho parece estar dizendo exatamente o contrário: “você está velho, ultrapassado, já não consegue emprego, ninguém vai se interessar por você, suas habilidades e competências já não são mais monetizáveis, etc. etc.”. Felizmente, temos as Marias para provar que a realidade pode ser diferente daquela que desenhamos para nós mesmos.
Lamento se, para alguns leitores, eu não termino este pequeno texto com alguma “lição de moral” ou algum conselho, mas apenas citando o exemplo da Maria. Tenho muito receio de magos, gurus, de gente que nos dá receitas de como ficar rico, ser promovido, desempenhar mais e melhor, perder peso comendo de tudo (há livros demais sobre isso, conselhos demais, “métodos” demais…).
Agradeço pela sua atenção, caro leitor, mas sobretudo, agradeço à Maria pelo seu exemplo de vida.
Luciano Fantin
São Paulo, 5/2017